MÃOS DE PIANISTA: PEDRO EMANUEL PEREIRA (Revista Rua)

Fotografia: Nuno Sampaio
Texto: Maria Inês Neto
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Considerado um dos mais destacados pianistas da atualidade e da sua geração, Pedro Emanuel Pereira apresenta-se com a sua própria arte e visão do mundo, moldada pela jornada de sucesso que tem acompanhado a sua carreira na música erudita. A partir da sua abordagem num instrumento orquestral que venera, é através das teclas de um piano que personifica vivências, histórias e a cultura musical portuguesa, que se ouve a partir da brilhante poesia e dos diferentes estilos que explora. Atualmente a viver em Amesterdão, o pianista regressa à sua cidade de origem para um concerto especial, no dia 14 de dezembro, onde irá apresentar o seu primeiro disco intitulado de Russian Journey, no grande auditório do Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães.

Com apenas 28 anos é já conhecido como “um dos mais destacados pianistas da atualidade da sua geração”. De que forma vê este reconhecimento?

Eu diria que é o fruto do trabalho que tenho feito ao longo dos anos. Eu comecei a tocar piano com cinco anos de idade, longe de saber que seria o meu futuro profissional, e as coisas foram-se sucedendo. É óbvio que é sempre preciso alguma sorte, mas a sorte procura-se e felizmente tudo foi acontecendo de forma simples e natural. Se me perguntarem se eu sinto algum prazer especial por me considerar “dos mais destacados pianistas da atualidade”, não. Sou muito feliz porque faço aquilo que gosto e tenho o prazer de ter como profissão uma das minhas maiores paixões. Quem faz aquilo que ama, na realidade não trabalha.

Em 2008 foi estudar para um dos mais emblemáticos conservatórios de música, em Moscovo. O que esta experiência trouxe à sua música?

Foi um passo difícil, mas muito importante. Trabalhei com uma das melhores professoras do mundo que tinha uma das classes mais fortes do mundo e quando lá cheguei senti-me pequenino. A realidade é que esta pequenez me ajudou tremendamente a crescer, quer do ponto de vista profissional quer pessoal, e foi uma experiência que me fez acordar para o mundo. Olho para aqueles seis anos vividos na Rússia com muita nostalgia, mas também com muita gratidão com aquilo que aprendi e adquiri.

Mudar de país com apenas 18 anos não é uma experiência fácil. O que o motivou a tomar essa decisão?

Hoje em dia os jovens chegam a essa idade e saem de casa, eu não sou caso único, quer seja de uma cidade para outra ou de Portugal para um país periférico. Mas reconheço que de Portugal para a Rússia não há muita gente. Eu entendi que dada a qualidade da escola pianística russa e tendo em conta que tive uma porta aberta por parte da professora que me recebeu, eu não podia recusar. A partir do momento em que ela me fez o convite para integrar a classe dela e que iria receber uma bolsa por parte da Fundação Calouste Gulbenkian que me pagaria os estudos, seria estranho se eu não fosse.

O próximo concerto insere-se nas celebrações do 17º aniversário da elevação do centro histórico de Guimarães a Património Mundial da UNESCO. Fale-nos um pouco do projeto discográfico que vai apresentar e sobre o que as pessoas poderão esperar.

Este é o meu primeiro trabalho discográfico. Russian Journey porque, no fundo, é um apanhado e uma sinopse dos meus seis anos vividos na Rússia e optei por escolher dois “monstros” da história da música russa – Sergei Rachmaninov e Sergei Prokofiev – para este primeiro disco. Foram dois exímios pianistas e compositores e, para nós intérpretes, é sempre muito complexo e árduo trabalhar obras destes dois autores. Eu decidi que, como forma de “apanhado” daquilo que foram estes seis anos, seria muito oportuno fazer o meu primeiro CD usando essa temática dos compositores russos. Quanto a este concerto, terá algumas peculiaridades que julgo ser interessantes. A primeira parte do concerto será efetivamente a apresentação do meu disco, mas a segunda parte será a estreia de algumas obras originais que eu compus, Sons da Minha Terra. O porquê de as estrear em Guimarães? Muito simples: essas obras são baseadas naquilo que são as minhas raízes, as tradições de Portugal, aquilo que é a cultura portuguesa, ouve-se muito folclore português, há vertentes do Fado presentes, os ritmos, as melodias e a própria poesia. Não poderia deixar de fazer uma apresentação destas minhas obras em Portugal, na minha cidade, no lugar onde eu nasci e as pessoas me viram crescer. Tocarei ainda uma outra obra que se intitula por Sons de Abril, que é uma improvisação de temas de José Afonso.

Russian Journey é inspirado nos seis anos que viveu em Moscovo, na Rússia. Este disco é uma viagem de retrocesso dessa mesma jornada?

Não lhe vou chamar viagem de retrocesso, mas estes seis anos tiveram um papel preponderante naquilo que eu sou como músico e como pessoa, porque no fundo modelou a minha forma de pensamento, de estar e de ver o mundo. É óbvio que eu teria de fazer um disco com muito significado para mim e, sendo assim, eu penso que é o melhor presente que eu posso dar às pessoas que me ouvem.

Já ganhou vários primeiros prémios em Portugal, Espanha e Rússia. Ser congratulado na música e conseguir chegar ao topo é difícil?

Eu não estou nesta profissão pelos prémios. Música não é desporto, mas a realidade é que o mercado da minha área está tão restrito e tão asfixiado que é muito complicado hoje em dia para um músico fazer carreira sem concursos. Em todos os que participei, o meu objetivo era ter concertos. Após o primeiro prémio que obtive no Concurso Santa Cecília, no Porto, que é neste momento o mais importante concurso de piano em Portugal, eu tive cerca de 15 concertos num ano cá no país e outros fora. Nunca tive tantos concertos em Portugal num único ano. Inclusive eu já não tocava em Lisboa há alguns anos e tive alguns concertos na capital após esse concurso – ganhei um prémio no Porto que me levou a tocar em Lisboa. Recordo-me de quando tive o concerto em direto para a rádio Antena 2. O diretor, João Almeida, frisou que ‘Nós lisboetas estamos em dívida para com Pedro Emanuel Pereira, porque não se faz não convidar o artista mais de uma década’. No fundo, é a consequência do mercado e todos os prémios que obtive foi na busca de afirmação de um lugar neste mundo e nesta área, que é tão restrita e tão pequena.

Se olharmos para o percurso profissional da maioria dos músicos portugueses, todos eles tiveram de ir estudar para fora. Esta é uma realidade atual na música em Portugal. O que está a faltar? Talento, métodos de ensino ou espaço para a música emergir?

Talento existe imenso em Portugal. Eu posso recordar que existem inúmeros instrumentistas de sopro que estão a fazer brilhantes carreiras na Europa e no mundo. Se formos às grandes orquestras, nos sopros há sempre um músico português. Isto é um facto. Portugal tem uma grande tradição nas bandas filarmónicas, que têm imensos instrumentistas de sopro e certamente haverá um grupo de pessoas que atingem um nível de excelência. No caso das cordas isso já não acontece, infelizmente, e no caso do piano falta-nos tradição, que existe na escola russa e na Alemanha, e isso obriga a procurar outros pedagogos e outros ambientes. Eu, quando fui para Moscovo, fui pela escola e a professora, mas também pelo ambiente. Os melhores pianistas do mundo estavam lá. Se aqui em Portugal sentia que tinha pouca gente a correr à minha frente, lá eu tinha uma centena de pessoas e eu tinha de os apanhar. Se queremos crescer e evoluir temos de ir para um ambiente que nos permita ter mais espaço, porque, no fundo, aqui em Portugal estamos mais condicionados.

“Eu jamais subirei a um palco para tocar algo que não seja do meu agrado”

Está de volta à sua cidade, que outrora já foi Cidade Europeia da Cultura, em 2012. Desde então, Guimarães continua a ser uma cidade que “respira” cultura ou o panorama da música em Portugal não o permite?

Foi um ano muito importante para Guimarães em todos os sentidos, a nível de infraestruturas, a nível de possibilidades, a nível de concertos. Guimarães nunca teve tantos concertos, exposições e tudo o que tivesse a ver com arte e cultura, como em 2012. Depois aconteceu algo que é muito típico nas capitais europeias da cultura: termina esse ano e quem vem de fora volta a sair. Eu sinto que quem veio e saiu deixou uma sensação de abandono, ficamos “órfãos” da cultura. Mas esse ano permitiu criar uma série de caminhos que estão agora a ser abertos. Guimarães tem uma orquestra, tem um centro de artes, duas ou três salas de espetáculos, tem um dos maiores festivais de jazz, de canto lírico, de guitarra e eu organizo um festival de piano, também.

Disse, numa entrevista, que “o repertório que escolhemos reflete quem nós somos”. É esta premissa que faz com que a cultura portuguesa esteja sempre presente na sua música?

Eu jamais subirei a um palco para tocar algo que não seja do meu agrado. É óbvio que temos sempre de pensar a quem a nossa música é dirigida e temos de perceber para quem tocamos e quem é o nosso público. Depois, temos de saber adaptar o nosso repertório e programa. Independentemente de para quem tocarmos, eu tenho de estar consciente que subo ao palco para mostrar o melhor de mim mesmo, porque quem vai a um concerto não quer saber a quantidade de horas que perdemos a estudar, se aprendemos a peça no dia anterior ou há um ano. Sempre que subo a um palco faço-o de uma forma profissional e consciente, sabendo que estou em condições de dar o melhor de mim mesmo. Daí a escolha do repertório ser muito importante e de eu ter uma enorme paixão por aquilo que apresento em público, porque se eu não amar aquilo que eu faço certamente que as pessoas também não amarão.

Agradecimento especial ao Santa Luzia ArtHotel pela cedência do espaço para a realização desta entrevista.